Nota pós-Notícia

Globalização...o sentido da palavra não está associado apenas a unicidade com que as notícias percorrem o mundo com o advento da informática. O complexo sistema disponibiliza, mas também controla o que deve ou não ser publicado. "pós-Notícia" é o discorrer dessa informação, o intercalar das inúmeras notícias que recebemos todos os dias e as desconsideramos ao final deste. Você já pensou que estas, por mais estranhas e opostas que pareçam, possam estar interligadas?

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quinta-feira, junho 22, 2006

TIMOR LESTE - "O Herói da Resistência" - 2ª de 3

“Xanana! Xanana!”, gritavam as crianças que chamava de “meus meninos”. Pequenos timorenses, não a cima de treze anos, que se reuniam à entrada de suas casas para contemplar a passagem do Sr. Presidente, embora soubessem que àquele simpático e sorridente senhor estivera sempre a disposição de ouvi-los e recebê-los, mesmo que fossem apenas crianças... ou talvez por este motivo.

“Kay Rala! Kay Rala!”, bradavam os homens que, não abaixo de quarenta anos e por quase trinta, dividiram com ele os campos-de-guerra. Homens que se reuniam à entrada de suas casas para contemplar a passagem do Sr. Presidente, embora soubessem que aquele forte e expressivo ex-guerrilheiro estivera sempre à disposição de ouvi-los e recebê-los, mesmo que fossem apenas simples pessoas... ou talvez por este motivo.

José Alexandre Gusmão é também chamado de Kay Rala Xanana Gusmão. Aliás, é mais conhecido desta forma. No entanto, os diversos nomes não definem os tantos homens que existem neste. Das salas de aulas aos campos de guerra, nunca deixou de lutar pelo seu país, pelo seu povo, pela sua história. O antigo professor virou guerrilheiro na busca pela independência, exercida pela formação do exército de resistência aos ataques do invasor indonésio. Xanana viu sua gente morta, seu país invadido e sua história enterrada. O poeta Xanana viu que precisaria pegar em armas para ser ouvido e respeitado. O escritor Xanana viu que, a partir daquele momento, escreveria com pólvoras sobre as linhas do tempo o destino de uma nação. Uma pequena nação. Um pequeno país que merecia como todos os outros do mundo, o direito de escolher seu futuro.

Em 1979 uma violenta empreitada do exército indonésio reduziu a cerca de mil homens inteiros a força de resistência timorense. Em meio aos estragos do conflito, um jovem de voz firme, fala pausada e contundente, surge reorganizando o exército local em tropas e designando seus comandantes. O jovem era Xanana Gusmão e ali começava a história da vida de um dos maiores heróis do último século. Sua liderança natural fez dele símbolo de resistência de seu povo que anos mais tarde o elegeria, com 85% dos votos, presidente do mais jovem país do mundo.

Embora sendo a única referência para os timorenses, Xanana não queria ser presidente. Para ele sua ajuda na reconstrução de Timor Leste se mostraria muito mais eficiente se a fizesse como alguém influente e não como chefe da nação. Era seu parecer e, no entanto, não conseguiu por em prática uma vez que seu povo não aceitava a idéia de ter outro nome na presidência. Por quase vinte anos Xanana viveu nas montanhas no comando do exército de resistência, longe da família, dos amigos, quase como um selvagem. A densa mata do interior do país servia-lhe de abrigo, quartel-general e local de incertas ao invasor que buscava encontra-lo. Era das emboscadas bem sucedidas que Xanana extraía armas, fardamentos e, principalmente, as vantagens técnica sobre a força indonésia.

Anos de luta se passaram. No entanto, muitas mortes e destruição fizeram Kay Rala mudar sua estratégia. Decidiu se entregar, não suportava mais ver o inimigo, uma vez que não o encontrava, invadir casas, espancar crianças, estuprar mulheres, matar homens e incendiar cidades. Era muita dor. Em 1992, Xanana é capturado e condenado à prisão perpétua, deixando no comando do exército de resistência Taur Matan Ruak, seu braço direito. Logo os ataques foram reduzidos. Até que em 1999, após a morte de um timorense e durante seu enterro o povo local decidiu, em virtude da caminhada até o cemitério, utilizar aquele momento como forma de protesto pela violenta ocupação indonésia. O resultado foi um dos mais cruéis massacres da humanidade. O episódio ficou conhecido como “o massacre do cemitério” e nele homens, mulheres e crianças foram mortas sem piedades. As cenas, que foram capturadas por um repórter infiltrado, chocam. Um tempo depois, elas estavam na cúpula da ONU e foram responsáveis pela intervenção internacional. A ocupação chegava ao fim.

Injusto, no entanto, seria atribuir apenas a Xanana tamanha resistência. Outros fortes nomes contribuíram para o ressurgimento da nação timorense. Em se tratando da vertente religiosa, bispo Carlos Ximenes Belo foi o nome que por diversas vezes guiou e defendeu seu povo, embora alguns o acusem de abandono de causa, quando por ocasião do massacre ocorrido em sua paróquia. José Ramos Horta, o diplomata timorense, se mostrou presente na luta quando se fez necessário o apoio de organismos internacionais, no entanto muitos associam a figura de Ramos Horta alguém que fugiu da batalha saindo do país. Dentro das fronteiras do país, e excetuando o Xanana Gusmão, os dois representaram muito para Timor e não por acaso dividiram o prêmio Nobel da Paz no ano de 1996.

Outra forte referência, em especial para nós brasileiros, responde pelo nome de Sérgio Vieira de Mello, o homem que ficou responsável pelo governo de transição da ocupação da Indonésia aos timorenses. No comando de todas as atividades, entre militares e administrativas, da ONU em Timor Leste, Sérgio reestruturou parte dos sistemas de educação, saúde, esporte, entre outros, possibilitando que timorenses acompanhassem os processos e, posteriormente, pudessem exercê-los independentemente. O Trabalho desempenhado por Sérgio Vieira de Mello em Timor foi tão bem sucedido que seu nome teria sido indicado para substituir o do atual Secretário-geral da ONU, Kofi Annan. Mas seu destino brutalmente interrompido.

Daniel Lopes

29 jun 06 - "Retorno dos Conflitos" - 3ª de 3 partes.
Por que a tão esperada paz timorense se perdeu novamente; O que aconteceu; O que esperar;...